Deus, com efeito, faz que se distraia com alegria de coração: não estará triste, os seus pensamentos não o molestarão, absorvido como está pela alegria e o gozo presente. Mas é melhor entender isto, segundo o Apóstolo, da comida e bebida espirituais que nos dá Deus, e reconhecer a Bondade de todo aquele esforço, porque se necessita grande trabalho e esforço para chegar à contemplação dos bens verdadeiros. E ésta é a sorte que nos pertence: alegrar-nos dos nossos esforços e fadigas. O qual, ainda que seja bom, todavia não é ainda a bondade total, até que se manifeste Cristo, que é a nossa Vida.
Todo o mundo se afadiga para comer e, apesar de tudo, nunca sacia a sua alma. Em quê supera o sábio do néscio? Em quê ao pobre que sabe viver a sua vida? Tudo aquilo pelo qual se afadigam os homens neste mundo se consome com a boca e, uma vez triturado pelos dentes, passa ao ventre para ser digerido. E o pequeno prazer que causa ao nosso paladar dura tão só o momento em que passa pela nossa garganta.
E, depois de tudo isto, nunca se sacia a alma do que come: já porque volta a desejar o que comeu (e tanto o sábio como o néscio não podem viver sem comer, e o pobre só se preocupa de como poderá sustentar o seu débil organismo para não morrer de inanição), já porque a alma não saca nenhum proveito deste alimento corporal, e a comida é igualmente necessária para o sábio como para o néscio, e ali se encaminha o pobre onde adivinha que achará recursos.
É preferível entender estas afirmações como referidas ao homem eclesiástico, o qual, instruído nas Escrituras Santas, se afadiga para comer e, apesar de tudo, nunca sacia a sua alma, porque sempre deseja aprender mais. E nisto sim que o sábio tem vantagem sobre o néscio; porque, sentindo-se pobre (aquele pobre que é proclamado ditoso no Evangelho), trata de compreender aquilo que pertence à Vida, anda pelo caminho estreito que leva à Vida, é pobre em obras más e sabe onde habita Cristo, que é a Vida.