Idolatria
Por Roosevelt Silveira*
Idolatria tem origem nas palavras: Eidolon (imagem) + latreia (culto). A princípio, poderíamos achar que se trata apenas do culto a imagens. Mas ultrapassa isso: repare que, hoje em dia, alguém diz que o cantor tal é seu ídolo. E não está incorreto.
O catolicismo alega que ídolo é um objeto inanimado ao qual se atribui vida própria e poder. Seria uma imagem pagã, um deus. Em vista disso, dizem que não podemos classificar de deuses os “santos” nem à estátua destes, porque eles não são o Criador do Universo nem o Juiz de vivos e de mortos, tanto que não – por ser adoração – não podem receber culto de latria, devido só a Deus. Mas não é bem assim. A Bíblia diz que:
“... a avareza... é idolatria” (Cl 3.5).
Não foi mencionado, aí, o caso de objeto inanimado nem de deus pagão. Trata-se do apego que alguns têm ao dinheiro. Perguntamos: Então a avareza é o Criador dos céus e da terra ou o Julgador de vivos e de mortos para receber culto de latria? É certo que não. Ela nem tem como ser esculpida.
Analisemos mais dois versículos:
“... O destino deles é a perdição, o deus deles é o ventre...” (Fp 3.19),
Esse é o motivo por que a gula está incluída entre as obras da carne, que impedem o homem de herdar o reino de Deus (Gl 5.19,21). É o que acontece com quem usa mal ou com ganância o poder:
“... fazem-se culpados estes cujo poder é o seu deus” (Hc 1.11).
Concluímos que idolatria vai além do amor a imagens pagãs ou não-pagãs, além de se querer atribuir vida e poder a um objeto inanimado. Ídolo é qualquer coisa ou pessoa que colocamos no fundo do coração, em primeiro lugar, depositando nela grande confiança, o que faz dela um deus (com “d” minúsculo). Sendo assim, idolatria pode ser a dedicação a uma imagem, a um ídolo, a um líder religioso, a um deus, a um “santo”, ao ventre, ao poder e a seres ou coisas concretas ou não, reais ou imaginárias, uma vez que até deuses pagãos são criações da mente. É possível idolatrar-se um emprego, um automóvel, um filho e a nós ou a atitudes nossas, o que faz com que Deus perca a primazia.
A idolatria é tão detestável que – quando o povo que acompanhava Moisés pelo deserto convenceu Arão a esculpir um animal, este “edificou um altar diante dele (do bezerro de ouro) e, apregoando, disse: Amanhã será festa ao Senhor”, ou seja, “será festa a Yahweh” (Êx 32.5), ao Deus verdadeiro de Israel (e não ao deus Ápis, do Egito, que era um boi) –, o Altíssimo, ao invés de se alegrar, se irou, pois não gosta de ser representado em forma astros, estrelas, de animal, seres humanos, aves, quadrúpedes nem de répteis. Ele detesta que tentem reproduzi-lo. O capítulo 1 de Romanos diz que, por esse comportamento, entregou homens e mulheres a desejos carnais reprováveis.
Não obstante isso, a televisão exibiu a cidade de Trindade, em Goiás, onde sacerdotes participam de procissões com uma imagem composta de quatro figuras: de Jesus, do Espírito Santo (simbolizado por uma pomba), de Deus (com a aparência de um velho)... e de Maria. Note que a mãe de Jesus está entre eles. Desse jeito, já não teríamos uma Trindade, mas um Quarteto.
O catolicismo, para se defender da condenação que está nos Dez Mandamentos, diz que imagens católicas são como fotografias de nossos parentes, servindo para nos lembrarmos dos santos homens do passado. Entretanto não nos encurvamos perante fotos de familiares nem oramos a elas ou defronte delas nem confiamos nelas. Mas o Decálogo proíbe fotografias usadas para esse fim. Como pode ser, se elas não haviam sido inventadas? Devemos estar atentos a que no segundo Mandamento (Gn 20.4-6), indevidamente omitido nos catecismos católicos, está escrito: “Não farás para ti imagem de escultura, nem semelhança (ou figura) alguma do que há em cima nos céus, nem embaixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não as adorarás nem lhes darás culto; porque eu sou o Senhor, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração daqueles que me aborrecem e faço misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos”. Convém lembrar que não se poderia omitir um jota ou til da Lei de Deus (Mt 5.18) e que as imagens de “santos”, que os católicos possuem, são de indivíduos que, acreditam eles, estariam “em cima nos céus”. Mas podem nem estar lá.
Imagem não é sinônimo de escultura, tanto que aí está “imagem de escultura”, isto é, imagem em formato de escultura. A proibição abrange semelhança, que, em certas traduções, está figura. Não existiam fotografias, mas as pessoas ou animais podiam ser retratados por pinturas, desenhos, esculturas e, hoje, por fotos.
O erro não está na imagem ou figura em si, mas no culto que alguns oferecem a elas até sem notar. Nenhum evangélico condena esculturas nem gravuras de Santos Dumont, de D. Pedro II, etc., por ninguém se ajoelhar ante elas. Mas, se alguém o fizer, serão condenadas da mesma forma.
O segundo Mandamento contém promessa, mas, por outro lado, maldição até aos descendentes de quem o transgride. Se é vedada a fabricação desse tipo de imagens, incabível o argumento de que poderiam ser usadas como retratos. Ao esculpi-las (“Não farás...”) o artífice já é um transgressor da Lei de Deus. E quem as compra se transforma em cúmplice dele. Venerá-las é mais sério do que muitos pensam.
O catolicismo diz que Deus não condena imagens como as católicas, mas ídolos, no sentido, como vimos, de objetos aos quais o povo atribui vivência. Todavia as encontradas na Igreja Romana são ídolos. Ainda que não o fossem, a reprovação bíblica atinge ídolos (Êx 32; 2 Rs 21.11; Sl 115.3-9; 135.15-18; Is 2.18; At 15.20; 21.25; 2 Co 6.16) e imagens (Êx 20.1-6; Nm 33.52; Dt 27.15; Is 41.29; Ez 8.9-12). Prestemos atenção à clareza deste versículo:
“Não fareis para vós outros (1) ídolos, nem vos levantareis (2) imagem de escultura nem (3) coluna, nem poreis (4) pedra com figuras na vossa terra, para vos inclinardes a ela; porque eu sou o Senhor vosso Deus” (Lv 26.1).
A proibição é geral: não foi feita exceção para “santos”. O catolicismo alega que Deus permite imagens porque determinou a Moisés esculpir uma cobra no deserto (Nm 21.8) e a Salomão construir querubins para o propiciatório da Arca da Aliança (1 Rs 6.23). Não ensinam é que a escultura desse réptil foi feita em pedaços pelo rei Ezequias, porque o povo passou a lhe dedicar incenso, como ocorre hoje em templos, inclusive em procissões, nem ensinam que os querubins – uma classe de anjos, com quatro asas, quatro faces: de homem, boi, leão e águia e planta dos pés semelhante à de bezerros – não podiam ser cultuados pelos judeus. A imagem deles, um enfeite permitido como a palmeira o era, foi colocada no Santo dos Santos, onde somente o Sumo Sacerdote podia entrar, uma vez por ano (Hb 9.3-7); não havia como ser vista nem venerada. Eles exprimiam a presença de Deus. Quanto à cobra de bronze, devemos refletir que, tendo sido construída por determinação direta de nosso Pai celeste e este não a tenha mandado destruir, quem a despedaçou teve sua postura considerada reta por ele (2 Rs 18.4). Hoje quantos subterfúgios criam para manter, até em templos, obras elaboradas por vontade humana.
Não é porque Deus mandou fazer algo, que nos vemos no direito de imitá-lo. É muito diferente quando ele diz “não farás para ti imagens” e quando determina que sejam feitas por sua exclusiva vontade. Ele sabe o que é melhor para nós. E, como Senhor que é, pode determinar o que quer. Veja: É do desejo dele que o adoremos, mas nem por isso poderemos reivindicar o direito de nos adorar; Ele quer que o amemos sobre todas as coisas, mas não aprova que o façamos em relação a nós mesmos.
Imagens geram controvérsias até dentro do catolicismo. Em 730 foram incentivadas; Em 731 houve excomunhão de seus destruidores; Em 754 o Sínodo de Hieréia foi favorável à sua destruição ao decidir: “Representar imagens de Cristo, além de impossível é prejudicial, já que estas imagens separariam a humanidade da divindade e seu culto seria fatalmente desencaminhado”; Em 787 foi oficializado seu culto; Em 794 voltaram atrás, dizendo que não deveriam ser veneradas, servindo para lembrança; Em 843 voltou o culto a elas. O Concílio de Trento (Sess. 25), realizado em 1546, deliberou que “as imagens de Cristo e da Virgem Maria, Mãe de Deus, e de outros santos devem ser possuídas e guardadas, especialmente nas Igrejas e devem ser alvo de honra e veneração.” Interessante é que as decisões dos concílios e dos papas, consideradas infalíveis – isso é idolatria –, são sempre retificadas.
Ao dizermos a católicos que imagens não podem ser adoradas, eles, instruídos por seus líderes, retrucam que não as adoram; o que fazem é prestar veneração aos “santos” que elas representam. Esse argumento é uma evasiva ou desconhecimento, uma vez que a decisão do concílio mostra que determinam a veneração a elas sim.
Falando em veneração, vamos analisar de que se trata. Segundo o catolicismo, o culto se divide em dois: 1) Culto de adoração = latria, que só pode ser outorgado a Deus; b) Culto de veneração, que, por sua vez, é subdividido em dois: dulia, destinado a “santos” e a anjos, e hiperdulia, dedicado a Maria.
Como se vê, a veneração a “santos”, anjos e até a imagens é um culto. E no 2.° Mandamento está: “Imagens... não as adorarás, nem lhes darás culto” e Jesus, dirigindo-se a Satanás, disse: “Vai-te Satanás... Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a ele darás culto” (Mt 4.10). Satanás, nessa passagem, não era nenhuma imagem de escultura, mas um ser, um anjo. Por conseguinte, a Bíblia proíbe, sem sombra de dúvidas, a veneração a “santos”, anjos, a seres de modo em geral e a imagens. Culto deve ser dado a Deus.
Pesquisando em dicionários, constataremos que culto, adoração e veneração podem ser usados como sinônimos. E vamos mostrar o engano do catolicismo quanto à maneira de interpretá-los.
O vocábulo latria (latreia), traduzido como adoração – que, com acerto, dizem ser exclusividade de Deus – é, na verdade, a cerimônia do culto exterior, a religião externa, o encurvar-se ou se prostrar; já dulia (douleúo), trasladado para nosso idioma como culto – que ensinam, de maneira equivocada, ser reservado a “santos” e a anjos –, significa servir, ser servil, trabalhar. Qual é mais importante: a cerimônia, o ritual, o ato externo, ou o servir, que é partido do íntimo, dedicação, serviço? É claro que servir (cultuar) está acima de rituais (adoração).
Para não parecer que estamos inventando, eis o que constatamos, em Êxodo 20.5, na Bíblia Sagrada da Edição Palavra Viva e na Bíblia de Jerusalém, ambas católicas, com respeito a imagens e figuras:
“Não te prostrarás diante delas” (BPV) nem as “... servirás” (BJ);
Mas na Bíblia editada pela Barsa esse texto está:
“Não as adorarás nem lhes darás culto”.
Compare: 1) Nas duas primeiras está prostrarás, porém na outra está adorarás. Portanto, prostrar (encurvar) é, para eles, adorar; 2) Na Bíblia de Jerusalém consta servirás, mas na editada pela Barsa está culto.
Confirmemos com outros versículos: Veja cultuar, com o significado de servir: “Não podeis servir (douleuein) a Deus e às riquezas” (Mt 6.24). Agora adorar, mostrando tratar-se de ato externo: “Observai este culto (latreia) e quando vossos filhos vos perguntarem que significa este culto (latreia)...” Conseguimos observar o que é exterior.
É bom frisar que, no catolicismo, Maria recebe culto de hiperdulia, que não é uma simples honra, mas um hiperserviço, ao passo que a Deus é dada somente adoração.
Há padres que dizem só ser proibida imagem de Deus, mas vimos que na cidade de Trindade apóiam a de Deus, visto como um falho e limitado ser humano velho, em decadência. E na abóbada da capela Sistina, no Vaticano, local em que os cardeais se reúnem para eleger o papa, existe um afresco de Deus. Eles poderão alegar que não os adoram, mas Deus proibiu representá-lo, ainda que sem fins de adoração. E podemos dizer que o catolicismo, que diz que ídolo é um objeto inanimado ao qual se atribui vida própria, acaba conferindo-a a um objeto feito de trigo: a hóstia consagrada. Tendo conhecimento de que ele prometeu que voltará, em corpo, uma segunda vez (Hb 9.28), adoram-na, chamam-na de Santíssimo, e dizem ser ela Jesus, em carne, osso, espírito e divindade. Eis a idolatria, hostiolatria. Se Cristo voltasse, corporalmente, em todas as missas e ficasse imóvel em ostensórios, as Escrituras estariam erradas, porque ele já teria voltado e, por sinal, bilhões de vezes.
Diz a Bíblia que “os ídolos são como espantalhos em pepinal, e não podem falar; necessitam de quem os leve, porquanto não podem andar: não tenhais receio deles, pois não podem fazer o mal, e não está neles o fazer o bem” (Jr 10.5). O Salmo 115 (ou 113-B da BJ) diz que eles têm boca, e não falam; têm olhos e não vêem; têm nariz, e não cheiram... Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam.” Cremos que não há quem atribua vida a espantalhos.
Lendo os livros bíblicos, muitas vezes encontramos que cidades ou pessoas praticavam prostituição. Nem sempre a referência é a relações sexuais ilícitas, mas à idolatria. Por quê? Porque Deus se diz o marido da Igreja, que não é um templo de tijolos, concreto e ferro. Igreja somos nós, que passamos a ser templos vivos. Ora, se ele é o marido dela e seus membros praticam idolatria, ou, explicando, servem, admiram, se prostram, fazem orações e promessas a outrem, ele se considera um esposo traído. Quem trai o cônjuge está praticando prostituição.
Provado está que é ilícito adorar, cultuar ou venerar imagens e pessoas vivas ou mortas, sejam santas ou não. Se alguém alegar que apenas reza ao “santo” que está nos céus, dizemos que esse modo de agir também é adoração. Segundo ensina o catolicismo, adorar vem de adorare, que significa fazer oração. Se orar é adorar, com o que não discordamos, ao se rezar a um “santo” ele estará sendo adorado.
Quem pratica qualquer dessas condutas mencionadas está, quer queira quer não, quer concorde quer não, praticando idolatria, que é um pecado abominado por Deus. Ele quer que confiemos nele e que dirijamos nossas súplicas a ele, que o adoremos, o cultuemos e o veneremos com exclusividade absoluta. Sua honra e sua glória não podem ser divididas com ninguém (Is 42.8).
Na Bíblia está escrito que Deus lança para longe de diante dele, ou de seu povo, aquele que consultar mortos (Dt 18.11). E sabemos que são falecidos todos os “santos” a quem são feitas rezas. Se eles tivessem a possibilidade de ouvir as que lhes são dirigidas em todas as partes do globo terrestre, às vezes até em pensamento e no mesmo instante, teriam de ser oniscientes (ter ciência de tudo) ou onipresentes (estar presentes em todos os lugares), contudo esses são atributos específicos do Todo-poderoso. Ele tem ciúme de nós (Tg 4.5). Em vista disso, recorrer a “santos” é lhes atribuir poderes de Deus, considerando-os deuses. De novo, a idolatria. Santos mortos não sabem o que aqui se passa.
“... ao Senhor, vosso Deus, temereis, e ele vos livrará das mãos de todos os vossos inimigos. Porém eles não deram ouvidos a isso; antes, procederam segundo o seu antigo costume. Assim, essas nações temiam o Senhor e serviam as suas próprias imagens de escultura; como fizeram seus pais, assim fazem também seus filhos e os filhos de seus filhos, até ao dia de hoje” (2 Rs 17.39-41).
É lamentável que todos os distritos e cidades de nosso País, muitas propriedades agrícolas e pontos comerciais ou industriais sejam dedicados a um deus, a um “santo”. Têm devoção a eles, considerando-os padroeiros, o que nos traz graves conseqüências. E, depois, o povo que aprova esse procedimento se queixa.
“... ó Judá, segundo o número das tuas cidades, são os teus deuses... Tu, pois, não ores por este povo, nem levantes por eles clamor nem oração; porque não os ouvirei quando eles clamarem a mim, por causa do seu mal” (Jr 11.13-14).
Devemos, por amor ao idólatra, conscientizá-lo de seu erro. Conformarmo-nos com a idolatria, jamais.
(A Editora Getsêmani, R. Leopoldina Cardoso, 326, Dona Clara, Belo Horizonte, MG, CEP 31260-240, publicou os seguintes livros do autor deste artigo: A Mãe de Jesus; O Sacrifício da Missa; As Imagens; As Tradições; A Pedra Fundamental; O Rosário. E-mail: roosevelt.silveira@bol.com.br).
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